quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Retro-philia: trust in the loneliness

















Bring back that love feeling,
Girl, it's gone, gone, gone...
(Johnny Rivers)

O título é um neologismo. Diplomatas que agem sem diplomacia ainda têm imunidade diplomática. Eu, mesmo não sendo poeta, lanço mão dessa tal de licença poética. "Tá feito e é lindo", como me ensinou Braga i Gaia.

Retrofilia; sinônimo mais bonito: nostalgia; sinônimo mais comum: saudade. Esse último vem do latim "solitas" (solidão).
Não sei qual é o mecanismo (bendito) que nos faz acordar em sociedade e ter a sensação de não estarmos sozinhos. Que ilusão é essa?
Então, num momento que não sabemos precisar (há quem diga que um "gatilho" externo dispara isso, como uma imagem, ou um odor), algo estala, lá dentro, e nos faz sentir saudades. Começamos a lembrar do que se foi, ou, mais precisamente, de que não é mais (presente). Aqui, altero minha pergunta: que percepção distorcida é essa?

A individualidade é nosso distintivo. Não, não vou empreender uma cruzada idiota para justificar que alguns de nós NÃO são seres únicos, dado o pensamento de massa. Até essas pobres almas são individuais na sua tentativa patética de se parecerem com todos os que estão na moda. Aceitemos o fato de sermos únicos. Mas, a partir de agora, passemos a viver com isso - apesar de ter a nítida impressão de que alguns de nós vão, até o final dessas linhas, passar a morrer com isso...

Cada um de nós é um ser único, com um sistema único de significados, uma ordenação própria e inimitável do caos que o circunda, um deus único num universo próprio... cada ser é UM.
Você acorda pelas manhãs, e se encaminha para a mesa de café aliviado(a) por estar "entre os seus"? - em outras palavras, "por não estar sozinho"? Meu caro, minha cara, que peça te pregaram! Dentro desse uni(co)verso no qual você está preso dentro da sua individualidade, não há nada, nem ninguém que o compreenda como você, que viva como você. E se você somar toda a sua empreitada, essa coisa chamada "vida", verá que você está solitário nela.

Retrofilia... nostalgia é um momento mágico, mas que é encarado de três formas. Para todas, usemos a analogia de uma pessoa lançada ao ar, tão forte que ultrapassa as nuvens.
A primeira, a patética e mais comum visão é a de olharmos para baixo e pensarmos: "uau, daqui do alto dá para ver todo mundo que pode voar aqui para cima comigo!" Ela é patética porque pressupõe que as tentativas pífias de verbalizar o sentido e o vivido, ou quem sabe o contato com o "agente causador" fá-la-ão se extinguir em si. Entendamos: nostalgia não se extingue. Não adianta tentar levar quem está ao seu lado, escutando suas histórias das sua golden age, porque isso não te fará sentir menos sozinho. Por fim, estar próximo do que lhe causa nostalgia (livro, filme, música, pessoa etc) também é uma vã ilusão, porque aquilo sempre esteve dentro de você. O que você está fazendo (tentando fazer) é apenas materializar sua solidão para poder usar a o verbo na primeira pessoa do plural: "eu e minha solidão vivemos muito felizes".
A segunda visão, ao ser lançado às nuvens, é a mais verossímil: você olha no nível dos seus olhos, para frente, e não vê ninguém. Isso é a visão da solidão. Quando vemos a verdade, temos muitas reações: alguns vão aos prantos, outros sorriem. Mas não há nada para sorrir ou chorar: há nuvens e você, mais nada. Você reinicia a "queda" ao mundo em sociedade, onde você lembrará, com certa frequência, da visão que teve sobre as nuvens, e o que sentiu lá. E, com uma certa dose de sensatez antes do jantar, se sentará, como Conan, em seu trono solitário e sustentará sua pesada coroa sobre sua preocupada cabeça. Mas viverá feliz com isso, vai por mim. A ilusão da vida em sociedade é um mecanismo de defesa comum a todos, e até útil. Mas não se vicie nele, como se a matrix fosse sua vida. Você apenas cumpre seu papel social em meio a tantas individualidades solitárias. O deus, adão e ordenação em seu universo é você, e só você. Assim, deixá-lo ruir é uma blasfêmia contra si mesmo.
As últimas frases tiveram um tom de "fim de texto", como uma conclusão de contos de fadas - "e viva feliz para sempre". Não esqueci da terceira visão. Lançado sobre as nuvens, há que olhe para cima. E nesse percurso, começa olhando para baixo e, a seguir, para frente. Ele vê, em flashes, o que os dois casos retrocitados viram. E é justamente por isso que ele olha para cima. Se a primeira visão é patética, ela é, ao menos, inofensiva. A segunda é uma realidade. A terceira é virtualmente mortal, porque o pobre bastardo estica os braços, numa tentativa desesperada de alcançar as estrelas e buscar seu igual, já que ele já está consciente de sua solidão. Mas, inevitavelmente, caímos de volta. E se a queda do primeiro é "feliz" e a do segundo é - geralmente - ímpia, a do terceiro é angustiante. Já ouvi dizer que tempestades inteiras foram feitas das lágrimas da agonia desses infelizes, e estas são as que causam mais desastres naturais. E, ao tocar o solo, ele não mais se move, anseando involuir, voltar a ser animal, vegetal e, por fim, mineral, e esperar oceanos de tempo para que seu "meteorito gêmeo" caia dos céus ao seu lado. É uma tentativa de hibernação anti-social. Alguns chamam isso de depressão. Dê o nome que quiser, isso dói. Apenas dói.

O porquê dessas linhas não é deprimir ou alardear. É apenas dividir. Eu divido minha solidão com vocês nessas linhas, como se faz uma sangria para evitar uma amputação. Confesso que olhei para cima quando estive sobre as nuvens, mas, antes de começar a cair, gritei: "sejam felizes, cada um de vocês". Somos como reinos, que, a cada dia, realizamos relações diplomáticas com o reino vizinho ou distante. Importamos e somos solicitados a exportar palavras, sorrisos, gestos, impressões, sentimentos. Como usaremos o que importamos é uma decisão interna do reino - e, a isso, chamamos individualidade. Como cada um usará o que exportamos é decisão deles - e, a isso, também chamamos individualidade.

Sou um reino muito agraciado. Alguns reinos compartilham comigo suas especiarias mais finas, delicadas, secretas, suas jóias mais raras, seus perfumes mais enebriantes, seus licores mais saborosos. Isso se chama confiança. É como se abrissem as portas de seus melhores aposentos a um humilde visitante, sob a saudação: "aqui, você é um rei". Eu sei que não sou, mas me fazem sentir assim. A todos estes reinos, cada um em especial, meu mais sincero agradecimento. Eu os saúdo, e os amo por isso.

Saudações diplomáticas e afetuosas.

Um comentário:

  1. um amigo + solidão = 1/2 x solidão

    simplificando:

    um amigo = (1/2 x solidão) - solidão

    um amigo = - 1/2 x solidão

    ;)

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