domingo, 30 de janeiro de 2011

Redenção - um conto, várias histórias, nenhuma palavra (até agora)

Um grande amigo - e primo - têm me pedido para ler as linhas que ele têm escrito. Fico muito lisonjeado em me pedirem opinião de um assunto que tão pouco conheço. Aliás, aprendi recentemente o uso correto do termo "inspiração", e digo que estou inspirado quando escrevo. Isso quer dizer que as palavras não são minhas, e que os louros por elas não podem ser destinados a mim. Um exemplo foi o último post, onde pretendia descrever uma experiência recente e acabei enveredando pelos caminhos da solidão do ser. Eu fui apenas a pena, e ainda não vi qualquer crédito dado a uma Parker 51 (uma famosa caneta tinteiro) pelos documentos políticos que ela auxiliou a assinar. No máximo, estão em destaque num museu de um personagem político importante. Pensando assim, até aspiro a estar num museu algum dia, mas como "caneta" de alguém que imprima seus sentimentos no papel ou na tela de um computador.

Enfim, dizia sobre meu primo, e lhe enviei, em resposta, um conto que escrevi há muito tempo. "Redenção" foi inspirado no conto de ficção científica "A filha de Rappaccini", de Nathaniel Hawthorne, uma história pouco conhecida de todos e, até onde sei, pouco disponibilizada. Àqueles que tiverem a impressão de já haver ouvido falar em Hawthorne, sua obra mais famosa é "A letra escarlate". Gostaria de deixar minha fonte a vocês - o conto de Hawthorne - para que compartilhassem dessa experiência comigo, mas, infelizmente, não encontrei nada digital, exceto essa resenha, a qual segue o link abaixo:

http://www.cienciamao.usp.br/tudo/exibir.php?midia=cfc&cod=_afilhaderappaccininathanielhawthorne

De fato, eu nunca "publiquei" esse conto, ou seja, são pouquíssimas pessoas que sabem de sua existência. Menos, ainda, sabem da experiência que tive relativa a ele.

Não sou de ler muito. Demorei um bom tempo para ler essa coletânea de contos (Imortais - organizada pelo impagável Isaac Asimov). Certa feita, estava em viagem no nordeste do Brasil, e me hospedei num hotel às margens do rio São Francisco. Ao abrir a janela (foto), me deparei com uma linda paisagem, que ficou na memória. Quando, algum tempo depois, reli o conto de Hawthorne, tive a nítida impressão de já ter visto o jardim de Rappaccini, descrito tão habilmente. Foi a primeira vez que minha memória "material" foi acionada por uma imagem criada ficcionalmente, e achei isso fantástico. É por isso que esta história é tão especial para mim.

Hoje, ela ganha mais um capítulo, pois estou dividindo com vocês o conto inspirado pela história de Hawthorne. É, infelizmente, um post bem mais longo que os demais, talvez o mais longo já postado nesse blog. Terei de pedir-lhes paciência com minha prolixidade.

Com vocês, Redenção.

_ Restam-lhe poucos minutos, senhor...

Um homem corpulento estendia o braço em direção ao barco que aquecia os motores enquanto as grossas cordas que o prendiam ao cais eram recolhidas. Minhas pernas se movimentaram em direção à proa. Minha mente ainda não tinha direção certa.

A razão desta viagem ainda é incerta. Poder-se-ia dizer irracional. Os poucos que souberam que estava de partida não entendiam minha motivação. Não poderia culpá-los. Eu mesmo ainda não poderia explicar. Como animais que fogem da estação fria, eu fugia de um inverno de sentimentos. Paradoxalmente, eu ia na direção sul. Não haveriam despedidas dessa vez. Nada em terra remetia a algo que se denomina “lar”, exceto uma vaga lembrança, tal ponto escuro numa imensidão azul que surgia da direção da popa enquanto a embarcação ganhava o mar.

Não me dirigia para casa. Era, então, ave de primeira migração... seguia instintos que desconhecia. A mão fatalística do senhor do tempo guiava meus pensamentos.

Um famoso tradutor me disse, sabiamente, que palavras “dizem” certas coisas, mas “significam” outras coisas. Assim, meu bilhete dizia onde deveria desembarcar. Isso não queria dizer que aquele era meu destino. Foi assim que desembarquei na ilha...

A maresia castigou meu olfato, que, abençoado pelas fragrâncias da ilha, impeliu os músculos ao movimento. Até aqui, nada pode-se dizer “pensado”. Numa inversão extravagante, o corpo deu vida à alma. Este, ainda, procurou o abrigo de uma estalagem nos alto dos rochedos. Era noite e os olhos deixaram que os outros sentidos trabalhassem.

Pela manhã, a inexplicável sensação de paz causou-me espanto. Como desperto de um sono profundo, fui recobrando gradualmente a memória da viagem do dia anterior, rememorando até o ponto onde estou. Se ainda não achei tudo uma grande loucura, talvez ainda esteja dormindo.

Abri a pesada janela de madeira. Uma fulgura dourada invadiu o quarto. Meio cego, distingui um pátio que antecedia a uma plantação de flores deliciosamente aromáticas. No meio delas, um espectro feminino bailava graciosamente. Quando firmei-lhe a visão, ele desapareceu, aparentemente buscando um abrigo na folhagem.

Tomei o desjejum e me informei de onde essa insólita empreitada trouxera-me. A ilha tinha o estranho nome de Pedra Ermitã - tradução direta do dialeto aborígene. Não era grande, e servia de parada às naus que iam na direção sul. Ficava a quase um dia de viagem de qualquer local que se diria civilizado. Alguns empregados informaram-me que, por esse mesmo motivo, fora usada como local de exílio, havendo histórias muito tristes que terminavam na ilha. Os rochedos voltados ao oeste eram conhecidos como Tsaawpee (Alívio); mas a palavra usada para Alívio também poderia ser traduzida como Suplício, a depender do que a acompanhava. Isso porque vários exilados tiraram sua vida saltando desta formação. Segundo as lendas, os que mereciam, alcançavam alívio na morte. Outros, porém, iniciavam seu suplício. A atmosfera mística do local me fez concluir que meu “espectro” era apenas mais uma ilusão de óptica. Ainda envergonhado pela louca condição da minha chegada, e procurando não incomodar aqueles que me hospedavam (como mandavam as boas regras de cavalheirismo), não perguntei nada sobre isso.

Passei a explorar a Pedra Ermitã. Praias, pequenas furnas, bichos, plantas... tudo parecia tão distante da minha realidade que me fazia sentir como Pólo nas primeiras incursões marítimas! As crianças me acompanhavam; traziam-me conchas do mar, como se desenterrassem tesouros deixados por um corsário. Acostumei-me com os gritos estridentes de “mangili, mangili” (“surpresa” ou “surpreso”) como me chamavam. E, como descobridores, brincávamos alegremente durante todo o dia. Os sabores das frutas comidas ainda sobre suas árvores, os pés descalços nos regatos, os micos que saltavam sobre nossos ombros em busca de comida... a ilha respirava, movia-se, ou, ainda, em uma palavra: vivia! Mais do que espécimes e belas paisagens, descobri o que me trouxera àquele local abençoado.

Mas, na quinta noite, a insônia me fez ver que ainda havia um espaço vazio. Vira a vida da ilha. Mas ainda havia a morte, a porção intocada que, como criança que se finge dormir para não ter pesadelos, eu ignorava. Disposto a enfrentar o monstro, levantei-me e me coloquei em marcha na direção oeste.

A lua cheia facilitava a caminhada, mas a bruma envolvia o percurso ao Alívio. O ar frio e rarefeito da madrugada começou a faltar em meus pulmões após horas de marcha. Senti isso quando comecei a ver vultos e sombras, especialmente no alto dos rochedos. Dizem que todo homem sente a morte, assim como sente o amor. E eu, que nunca senti o amor e poucas vezes senti o medo, não saberia definir o que sentira ao chegar ao Alívio.

Ao levantar meus olhos, um espectro jazia, inerte, à beira do penhasco, encarando-o. A bruma alva prateou-se, banhada pela argenta luz lunar. Não era um espectro, era o “meu” espectro, o fantasma que vira na manhã subsequente à minha chegada! Via-se, despida do véu, uma figura feminina, de pele clara. Os longos cabelos negros, levemente cacheados, desciam-lhe pelas costas, como regato farto a serpentear pelas pedras. Artemis, mãe da noite, iluminou-lhe a face, que, se mais linda, pertenceria à própria Vênus. Seus olhos eram tão intensos que tentar encontrar-lhes adjetivos seria uma blasfêmia. Pérolas escorriam por eles, e, ao sentir tamanha tristeza, minha razão resolveu despertar-me, momentaneamente, daquele sonho, e concluir que a senhora da tristeza se atiraria ao mar abaixo.

_ N-não... p-por favor, não faça isso! – balbuciei.

Ela levantou os olhos, assustada. Deu-me as costas e se recompôs das lágrimas.

_ Quem és e o que fazes aqui? – perguntou-me uma voz doce, embargada pelo choro, que, assim como o canto das sereias, hipnotizou-me de imediato. Tamanha era minha torpes que só consegui proferir, de imediato, o seguinte:

_ Não quero que você morra...

Minha encantadora deu-me um triste sorriso e caminhou em minha direção. Inerte, nada pude fazer enquanto ela aproximou seus lábios de meus ouvidos a sussurrar:

_ Chegaste tarde. Já estou morta.

Seria possível? Estaria eu, mesmo, tendo uma experiência sobrenatural? Como a morte poderia assumir aspecto tão maravilhoso?

Enigmático, meu fantasma completou:

_ E tu? Vieste me fazer companhia?

Um levante soprou dos rochedos, rasgando a bruma. Meu coração queria saltar do peito. Era momento de voltar a mim, estivesse eu face ao amor ou a morte. Empostei-me, subitamente, virando o rosto para meu algoz, de tal forma que ele se assustou, e disse:

_ Senhora, lhe faria companhia onde estivesse, mesmo que em meio às chamas do inferno!

O rosto ameaçador da senhora da tristeza tornara-se surpreso. Finalmente reconheci-lhe o olor suave de dama-da-noite. Seus olhos, grandes gemas de ônix, fitaram os meus como a procurar respostas que lhe pareciam insanas.

_ Não sabes o que pedes, meu senhor... – e virando-se, iniciou um galope assustado, mas ainda assim harmonioso.

_ Não... – reagi. E com tal palavra, novamente ela tornou-se a estátua de segundos atrás – Não sei de onde vens, não sei o que vieste aqui buscar... sequer sei quem és... é verdade, não sei o que peço. Apenas sei que suplico, insanamente, por algo que sempre procurei. Rogo-te... auxilia-me a entender por que o faço...

Aproximei-me calmamente. Afastei-lhe a cachoeira negra de cachos que lhe cobria a fronte. Toquei-lhe a pele de veludo branco. Sua respiração era forte. Os olhos enchiam-se de lágrimas, enquanto eu escutava seu sussurro, entrecortado por soluços:

_ Eu lhe suplico... meu senhor... não faça isso. Não faça sofrer um coração que já não bate mais... Deixe-me afogar no Caronte de minhas amarguras... Afasta-te dos domínios de...

_ Eu a seqüestraria dos aposentos de Hades e a traria à vida, se lá estivesse...

Ali, coberto pelo manto da noite, beijei-lhe. Seus lábios tinham o mais saboroso néctar jamais provado por um ser humano. Nada é tão maravilhosamente doce. E tamanha doçura me fez adormecer em seus quentes e tenros braços...

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Acordei em outro lugar, frio e escuro. O suor escorria em meu rosto. Quando finalmente recobrei a consciência, uma dor indizível invadiu-me todos os ossos. O gosto alcalino em meus lábios deve ser sangue... onde diabos estou? Tentei me mover, mas a dor impediu meu atrevimento. Uma luz... Deus, não consigo manter os olhos abertos... ela me cega! Que suplício!... Atenção! Escuto algo ao longe... o que é?

_ Mangili... mangili... senhor? Como se sente?

Era a voz de Gaspar, filho de Hawse, dona da estalagem onde me hospedara. Ele me passou uma toalha úmida sobre a fronte e tornou a chamar-me.

_ Nathaniel... por Deus, senhor!

Quando juntava minhas forças para dizer algo, ele se virou. A impressão que tive é que me deixaria sozinho. Afrontando a dor, agarrei-lhe o braço, e ambos gritamos...

_ Onde ela está, Gasp...?

Faltaram-me forças. Quando, novamente, abri os olhos, Hawse me observava com seus olhos matronos. Largou a cestaria que trançava e apanhou um copo de barro. Embebeu um tecido branco no conteúdo e trouxe à minha boca.

_ Não sei como estamos tendo esta conversa, mangili. Quando Gaspar e seus amigos chegaram aqui com o senhor, não lhe dava muito tempo de vida...

Tentei pronunciar alguma coisa... de fato, a mesma pergunta que tentei fazer a Gaspar. Mas a velha parecia ler meus pensamentos.

_ E antes que se esforce inutilmente, não sabemos quem procuras tão veementemente, mesmo em seus pesadelos. Da última vez que a procuraste, no braço de Gaspar, desmaiaste, sem forças. Poderia dizer-me, calmamente, o que aconteceu nos Tsaawpee, do oeste?

_ Hawse... – disse, tentando organizar as idéias e recobrando um pouco as forças – Perdoe-me os modos. Pouco posso dizer que faça sentido... Vi um fantasma, uma mulher, com o olor do orvalho... Deus, Hawse, a mulher mais linda e mais triste que... queria impedi-la de se jogar e...

Minha anfitriã riu-se da puerilidade da minha fala. De fato, quem não riria? Abafou-me a confusão de pensamentos com um aceno de mão.

_ Signorina Rapaccini não iria se jogar, mangili!. Ela apenas gosta de visitar o Alívio certas noites. O motivo, não sei bem...

_ Santo Deus, então ela é real! Hawse, já estava a me tomar por louco, antes dessa frase. Então, foi real!

_ Sim, meu senhor. Mas, e então? Foi a subida aos rochedos ou a noite ao relento a deixá-lo tão debilitado? – dizia a senhora, num riso maternal e simpático, enquanto pegava o copo de barro para dar-me mais água.

_ Foi real, senhora! Meu amor, o beijo e os sonhos em seu colo... onde posso...?

_ Beijaste Beatrice??? - a frase saíra gritada, enquanto a mulher deixava o copo cair, tomada por um espanto mortal. Nada pude dizer, ante o ato. – Deus! Tinha razão em ver a morte em ti, senhor Nathaniel!

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Enquanto me recuperava, Hawse e o filho Gaspar explicavam-me o porquê de seu espanto. Eu já ouvira lendas e histórias fantasiosas parecidas, bem como o nome Beatrice Rapaccini. Mas, nas falas de meus atuais interlocutores, a história ganhara vida – e morte.

Beatrice era filha de um botânico venesiano, que experimentou, na própria filha, extratos de plantas, inclusive venenosas. Do fato, resultou um ser ambíguo, extremamente habilidoso com as plantas – suas irmãs - e letal para os humanos. Nos círculos científicos, doutores riam da fábula, provavelmente criada para parafrasear o excessivo zelo de um pai por uma filha – e só. Era a única conexão disso com a realidade. Mas a ficção não conseguiria ser mais cruel que a vida, e Beatrice, segundo Gaspar, exilara-se na ilha após a morte do pai e de um amor. Hawse completou a tragédia em detalhes, dizendo que ela os matara, involuntariamente, enquanto disputavam o amor de Beatrice.

_ Pobre criança! Tão amada e tão sozinha! Até a morte deixou-a entre os vivos, mesmo apaixonada por ela. – completou minha anfitriã.

_ Preciso vê-la, Gaspar!

_ És louco, mangili? Um beijo quase o matou!...

_ Que importa, Gaspar? Que domínio tem um homem sobre o amor, sobre o destino ou sobre a morte? Só consegue dominar o próprio medo... não a temo, apenas consigo amá-la...

_ Não é possível amar a Orchídea Nera di Rapaccini, mangili...

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_ É assim que os homens me chamavam, quando da morte de meu pai... a Orquídea Negra de Rapaccini...

As lágrimas vertiam dos olhos de Beatrice. Meu espectro ganhara nome, e sua tristeza ganhara história e tragédia. Lembro-me de haver deixado os conselhos de Gaspar, bem como Hawse agarrada ao peito do filho, escondendo o rosto em lágrimas. Segui, desesperançoso, ao Suplício... que só se tornaria Alívio se encontrasse lá Beatrice. Como cheguei, não é algo que a razão possa explicar.

_ A lenda sobre a filha-flor do botânico não passava de conto quando resolvi me refugiar na Pedra Ermitã...

Enquanto falava, um perfume de lírios, não natural naquele período, envolvia o ar. Percebi que a fragrância exalava não do ambiente, mas da flor que comigo falava. Quando cheguei a Suplício, naquela noite, não havia ninguém. Ajoelhei-me, pelo esforço e pelo desespero, em prantos. Foi quando um doce aroma de lilases tomou-me. Levantei o rosto, e lá estava ela, também a chorar, estendendo-me um sorriso tímido.

_ Sempre venho ao Alívio, orar para que Deus perdoe meus pecados, e que me conceda uma morte digna e pouco dolorosa. Há algumas noites, um homem saiu das brumas, querendo salvar-me...

Fiquei desacordado por quase 3 dias e 3 noites. E diante de tudo aquilo, não havia muito o que fazer. Revi toda a minha trajetória: a viagem ao desconhecido, o desembarque na ilha, meu espectro matutino, meu amor noturno, meu suplício, meu alívio, minha vida e minha Beatrice.

_ Entende, agora, por que não posso amá-lo, meu senhor? Essa é minha maldição, conjurada desde meus primeiros anos... sou a flor da escuridão, e morrerei sem um sol que me aqueça... – e sua mão macia acariciou-me o rosto.

_ Então, minha amada Beatrice... serei um sol em constante ocaso, já que não tenho razão em brilhar. Deixe-me dar-lhe vida, seja esta por alguns momentos apenas...

_ Eu não posso permitir que morra, meu...

_ Mas pode dar-me a bênção de viver... eu escolho viver ao teu lado. E se isso significar a morte, que Deus tenha piedade de minha alma...

O ar cheirava a rosas vermelhas, orvalhadas, recém-roubadas por um amante atrevido à sua amada. Cirrus descerravam os finos fios de prata da Lua sobre a Terra. As estrelas apagaram-se um pouco, deixando brilhar a flor que desabrochava. E, neste cenário, Beatrice amou.

Os primeiros raios de sol feriram-me os olhos. Para proteger-me, virei instintivamente para o oeste. À beira do penhasco estava Beatrice, encarando o fundo do mar. Afrontei, mais uma vez, a dor que já se instalara e a fraqueza que tomara meu corpo. Beatrice correu em minha direção, amparando-me, num copioso pranto.

_ Eu não quero que você morra, meu amado!

_ Eu viverei em ti, flor de minha vida!

Intentando acabar com o suplício, segui rumo à beira do Alívio. Encarei o mar e as pedras abaixo e tomei um último fôlego. Antes de terminá-lo, Beatrice tomara minha mão. Beijou-me, apaixonadamente, uma última vez, e soltou-se, junto a mim, penhasco abaixo.

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_ Restam-lhe poucos minutos, senhor...

Uma voz suave sussurrara aos ouvidos de Nathaniel.

_ Você acordará em breve, meu senhor. Mais que seu sacrifício, foi seu amor que me trouxe à redenção. Deus atendeu minhas preces, e finalmente fez do Suplício o Alívio. A semente de vida que me deste foi plantada em ti. Eu o esperarei até momento certo - que não é o dia de hoje - para dar-lhe todo o meu amor, em retribuição ao teu.

Nathaniel acordou na enseada. Seu grito foi ouvido em todos os cantos da ilha. Tornou à civilização, vivendo como numa incompletude até o fim de seus dias. Momentos antes de morrer, apontou para um jarro guardado em sua estante. Lá, os amigos encontraram uma flor desidratada e um bilhete com os dizeres: “Mantenham essa flor em minha mão no meu último suspiro”. Nathaniel morreu sorrindo...

Tempos depois, um botânico, amigo de Nathaniel, descobriu que a flor que o falecido companheiro guardara só crescia num certo penhasco oeste de uma pequena ilhota ao sul. Os nativos a chamavam de Ahuna (esperança).

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